Lisistrata/ Pesquisa Teatral

domingo, 29 de agosto de 2010

Um texto sobre Lisístrata.

                Entre as clássicas comédias gregas, há inúmeros exemplos que constituem grandes obras literárias. Lisístrata ou A Greve do Sexo, de Aristófanes é uma delas. A leitura desta comédia é simplesmente deliciosa, não só pelo tema central do enredo que é próximo e essencial a todos os seres humanos, como também e, principalmente, pela qualidade e originalidade na construção das cenas, dos personagens e das situações por meio de um criativo e minucioso trabalho de linguagem.

                Basicamente a história da peça é a seguinte. Na Grécia, atenienses e espartanos travam uma guerra fratricida que enfraquece o povo grego de forma geral e torna o país mais vulnerável a conquistas estrangeiras.
As mulheres que têm seus maridos longe de casa, lutando em um guerra na qual a maioria das pessoas não vê sentido e considera mais prejudicial do que benéfica, decidem se reunir e fazer algo para que os homens desistam da guerra e votem a favor da paz. Para tanto, Lisístrata, uma mulher ateniense, convoca uma reunião de mulheres de diversas regiões da Grécia e diz que um meio eficiente que elas têm de ter os seus maridos de volta e de ver finda a guerra é fazendo uma greve de sexo.
                 No início, a ideia é vista com desconfiança, mas depois as mulheres decidem colocá-la em prática em nome da paz e de algo além dela. No fim, os homens desesperados e totalmente à mercê dos próprios desejos decidem votar pelo acordo de paz atraídos pela beleza e graça da conciliação, personificada na peça por uma mulher atraente e bela. Representar a conciliação por meio de uma bela mulher, ou seja, aquilo que os homens mais desejavam de corpo e alma naquele momento, não deixa de ser uma jogada literária que compreende uma ambiguidade interessante e, ao mesmo tempo, inteligente. A paz enfim é selada e as mulheres voltam aos seus maridos e estes às suas mulheres, agora mais cuidadosos quanto a cometer os mesmos erros do passado que os deixaram sem a …. PAZ.
                      As reticências antes de alguma palavra que vem em seguida é uma construção linguística constante neste texto. Ela aparece de forma sempre irônica, extremamente divertida e engraçada, com uma textura fortemente sensual, mostrando que por trás de um motivo aparentemente normal, esconde-se outro humanamente natural, mas moralmente desconcertante. Nesses momentos do texto, o leitor pode pensar exatamente aquilo que os personagens pensaram, é como um fluxo de consciência aberto e, ao mesmo tempo, velado, dá-se a entender, mas nada é dito de fato.
                      Este é sem dúvida um dos grandes acertos da peça. Fora isso, todo o texto é extremamente divertido, as falas são originais, as expressões fortes e elevadas, o que demonstra também uma certa influência de aspectos próprios da tragédia, as situações são particularmente hilárias e há uma leveza que reside na própria construção das cenas, nos diálogos, no fluir sonoro da narrativa.
                      No entanto, o mais interessante em Lisístrata é como a peça mostra o homem escravo de seus desejos, o homem facilmente manipulável, e aqui não entram apenas os homens que desistiram da guerra porque não conseguiam mais controlar o próprio desejo sexual, como também as mulheres que em vários momentos da empreitada quase desistiram não fosse o empenho e a convicção de Lisístrata em manter as mulheres firmes e seguras de si mesmas.
                     O fato é que as mulheres acabam por se revelar mais fortes diante do homem, o poder feminino fica evidente podendo acabar com uma guerra ou mudar o curso de muitos acontecimentos, pra isso a mulher precisa apenas saber controlar o seu desejo de modo a levar à loucura um outro exatamente pela privação desse mesmo desejo que se mostra menos pungente na mulher do que no homem.
                     Se pensarmos de forma mais ampla, a peça reflete também sobre a precaridade do ser humano diante do desejo, ela expõe como de fato nos tornamos escravos dele e somos levados a situações ridículas apenas na ânsia de satisfazê-lo. Em Lisístrata, assim como nas melhores obras da literatura grega, há muito de humano, muito de essencial, de íntimo, de delírio, de comportamental, há a universalidade do humano que na era moderna passaria a se confundir com o histórico e vice-versa.
                     Aristófanes se faz nesta peça um escritor visionário e habilidoso em cada palavra dita e pensada, em cada passagem vivida ou subentendida, em cada desejo sincero ou velado. E para fazer das minhas últimas palavras as palavras de Lisístrata “mas se o doce amor encher nosso corpo de desejos e deixar os homens com um entusiasmo de endurecer o … coração, creio que merecemos as maiores recompensas”.


Crédito: http://mauravoltarelli.wordpress.com/2010/06/20/em-lisistrata-aristofanes-aborda-o-poder-feminino-e-os-desejos-mais-primitivos-do-homem-por-meio-de-uma-linguagem-ambigua-e-marcadamente-literaria/

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